Deslizes em série, 2022
Em tempos de tanta brutalidade e tanto cinismo, em que se depreciam sem pudor as virtudes do pensamento lógico, a poética de Karen Axelrud aponta para caminhos opostos. Seu trabalho é fruto do rigor e da exigência. As imagens que a artista traz a público carregam em si índices muito evidentes do esmero com que foram arquitetadas: todo um sentido de depuração e controle, toda uma precisão geométrica e sistematizada. Mas não só isso. Pinturas e desenhos estão tomados igualmente pelo desejo de beleza e pelas pulsões intuitivas do sensível. As peças resultam austeras, sóbrias, e, ao mesmo tempo, nos oferecem saborosos e bem-vindos desacertos – que nunca cedem às soluções simplistas ou aos efeitos vazios.
A conjunção de forças tramada pela artista faz-se presente nas duas vertentes de trabalhos que compõem a exposição Deslizes em série, na Galeria de Arte Mamute. Embora divirjam em termos de linguagem, materialidade e procedimentos construtivos, tanto as pinturas em grande formato quanto os pequenos desenhos tratam de imbricar os distintos vetores acima mencionados.
Realizadas entre 2015 e 2018, as pinturas provêm de diferentes sistemas de repetição, acúmulo e transparência, perseguindo variadas possibilidades de ilusão de profundidade e movimento. Os títulos denotam essas alternativas: Grades, Frequências, Feixes, Orientações, Paralelos. Mas é no olhar que tudo, de fato, se arranja. Sobrepõem-se ali o tempo da feitura, o da percepção e o do pensamento (seja o da autora ou o do público visitante).
Concebidos na sequência, quando as sugestões da pintura pareciam já sedimentadas, os desenhos demonstram ainda mais afirmativamente o calor da experimentação, do ensaio e do erro. Sob o título geral de Cambiantes, seguem protocolos mais abertos e maleáveis, que se alteram na medida mesma de sua elaboração: linhas soltas, manchas modulares, sobreposições, contornos, máscaras, recortes, colagens, remendos. Comenta a própria artista: “A regra é não ter regra. Buscar algo mais próximo, mais míope, que vai ficar mais difícil de categorizar. Tentar me manter assim, em experiência”.
Por óbvio, mesmo nos pequenos desenhos sobre papel – folhas avulsas, brancas e pardas, tamanho ofício ou pouco maior – emerge a vontade de equilíbrio, tão característica da pintura. Nos desenhos como nas telas, a artista justapõe elementos de contingência e perturbação. A tensão entre uma coisa e outra nunca se resolve. Nesse jogo, Karen Axelrud nos oferta hipnóticas delicadezas.
Porto Alegre, verão de 2022
Eduardo Veras, curador