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Campos de Cor, 2018

Karen Axelrud: Campos de Cor

Por Themis Cheinquer

« Tenho dúvidas, pinto para poder ver. »

 

É preciso tempo para ver.  Um rápido relance à uma floresta, à distância, não revela mais do que um bloco compacto impenetrável, uma única faixa repetitiva de árvores, estática, frontal, intransponível. É pela persistência do olhar, no entanto, que se descobre as variações de tom, de superfícies, de texturas, de planos, de interstícios. A experiência do olhar nos surpreende com ritmos, vibrações, frestas ocultas e todas as singularidades de um novo espaço que se desvenda aos nossos olhos. 

As composições de Karen Axelrud proporcionam ao espectador atento tais revelações surpreendentes, uma experiência de tempo e de espaço. Um espaço sem concessões que não permite distração, ou qualquer referência figurativa. Nem árvores, nem montanhas, nem corpos, nem fisionomias. Nenhuma narrativa retórica. Se alguma anatomia existe, é a pura anatomia geométrica do espaço. Se alguma paisagem existe, ela é composta somente de linhas verticais e horizontais. Se algum sistema existe, vestígio restante da formação de arquiteta, este é rapidamente abandonado em beneficio do processo criativo.

E o impulso inicial de controlar e projetar cede espaço à liberdade de interrogar, de experimentar, de descobrir. « Tenho dúvidas, pinto para poder ver », diz a artista que parece concordar com o que diz Alberto Giacometti, diante da mesma perplexidade : « Eu trabalho para mim mesmo, para tentar entender melhor o que eu vejo » ou ainda com a afirmação de Pierre Soulages : « É à través do que faço que eu descubro o que eu estou procurando ».

Toda uma genealogia de artistas pode ser evocada nas referências de Karen, de Rothko e suas superfícies vibrantes à Mondrian e sua mística divisão do espaço, de Judd e sua organização estrutural à Sol Lewitt e suas linhas insistentes e até ao escultor Richard Serra com suas experiências transgressivas com o espaço.

Arte é processo. Cada processo artístico é um novo começo que leva a diferentes caminhos. Em incansáveis questionamentos de conceitos visuais, Karen produz cores, repetições, sequências, planos. Planos de cor. Suas manifestações complexas resultam de uma síntese rigorosa. Nem mesmo linhas existem nestas pinturas, assim como não há linhas na natureza. As linhas que nós vemos são ilusões provocadas pela transição de uma cor à outra. Estas linhas inexistentes resultam de uma percepção: o intervalo sutil entre o fim de uma superfície e o começo da outra, uma passagem, uma fronteira ou, como a artista denomina, uma coluna.

As obsessivas sequências de cores dizem muito sobre o processo criativo da artista. Ele começa num caos inicial de infinitas combinações, de cores constantemente trocando de lugar e de tonalidades, de camadas se sobrepondo, « até o momento quando instantaneamente acontece um equilíbrio » como a artista relata. Equilíbrio neste caso não significa imobilidade, ao contrário, como o físico contemporâneo Hubert Revees, explica: « Tudo é energia. Todos os objetos que nos rodeiam e que parecem sólidos são, na verdade, matéria em câmera lenta »[1]. A ideia de um movimento permanente da matéria, presente nas pinturas de Karen, reflete o interesse da artista pela física contemporânea e pelo silencio visual e dinâmico do universo. Suas criações mostram o paradoxo desta estável instabilidade. Suas composições abstratas, estritas, à mão livre, revelam uma absoluta maestria na precisão dos planos de cor que parecem vibrar no vácuo, em câmera lenta, até encontrar seu lugar definitivo. É possível perceber estes planos se movimentando para frente e para trás como teclas de um piano no espaço.

Existe um sentido para a repetição no trabalho de Karen, como existe sentido no ritmo da respiração, na cadência do caminhar, de uma melodia. Existe uma força inerente na insistência, na reiteração, no compasso, a força de marcadores de tempo. É preciso tempo para contemplar. E tempo para descobrir este súbito equilíbrio.

 

[1] Hubert Reeve Quantique Planète, Congrès à Reims 21 et 22 novembre 2015 : « Tout est énergie. Tous les objets qui nous entourent et qui paraissent durs, sont en fait de la matière au ralenti. »

Themis Cheinquer nasceu no Brasil mas vive na França e na Holanda desde 1997. Possui Bacharelado em História da Arte (2011) e Mestrado em História da Arte, Período Contemporâneo (2013) na Universidade Paris X- Nanterre. É doutoranda na Ecole du Louvre and Poitiers University, France, em LPHA (Lettres, pensée, arts et histoire), desde 2014. 

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