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Entrelinhas, 2008

A pesca milagrosa


Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler “distraidamente”.  

Clarice Lispector

Refletindo sobre os três últimos anos de minha produção artística, percebo que entre o processo de trabalho e as obras há algo a mais, além do aparente finito objeto-tela. Investigações paralelas a materiais e técnicas, dirigiram meu interesse a permear entre o pensar e o fazer.
Foi neste caminho que minha atenção parou nas entrelinhas. Um lugar elástico, como um intervalo, para flutuar entre regras. Justifica a vontade de trabalhar sem fronteiras, sem projeto ou fim especifico.
Permitir este tipo de estrutura é desdobrar o meio de campo, ampliar o espaço de investigação. É onde encontro a possibilidade do ir e vir neste entremeio que as coisas acontecem.
É tempo onde passo a alterar a ordem, decompor e construir, focar e desviar. Sobrepor camadas de gestos, cobrindo e descobrindo. Transitar entre a superfície da tela e seu exterior. Contrastar, inverter traçados e preenchimentos. Deixar acontecer, parar, e aproveitar o olhar.
Ao final da composição lá estão constantemente as linhas. Para perceber as entrelinhas, como diz Clarice, há que distrair-se.

Karen Axelrud, 2008

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