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Matriz, 2016

O que quer e o que pode a gravura

Diante de uma obra de arte, a pergunta costuma ser estimulante: de que se trata? Sobre o que é? O que está em jogo?

 

A resposta, obviamente, nada terá nada de unívoca ou definitiva, será sempre parcial e provisória. Com alguma sorte, há de aclarar um aspecto ou outro.

 

A questão retorna, agora, diante da série de gravuras em metal que Karen Axelrud (Porto Alegre, 1965) traz a público pela primeira vez.

 

A artista é conhecida sobretudo pelas suas pinturas de cuidadosa composição geométrica: a sobreposição de cores e linhas sugerindo profundidade e movimento, os planos se articulando com elaboração e elegância, as partituras e as melodias visuais que elas definem cadenciando o jogo entre contemplação e devaneio. Karen prefere dessa vez uma paleta mais restrita e uma dimensão mais concentrada. São gravuras – sobre papel – para se olhar bem de perto e sem pressa. O assunto, no entanto, parece que persiste: esses trabalhos tratam ainda de precisão e fortaleza, regularidade e exatidão. Tudo se constrói de modo justo e bem pensado. Pequenos módulos se associam com rigor e austeridade.

 

As diferentes imagens e os ensaios que se desdobram uns dos outros, dentro da série maior de gravuras, evocam uma sedução muito própria da matemática: a beleza, a qualidade, a distinção daquilo que se ergue com ciência e engenho. Há síntese, depuração e excelência. O assunto, reconheçamos, é bonito.

 

Ocorre que, desta feita, a economia de meios e extensões parece convocar uma lembrança suprematista: preto sobre branco, preto sobre preto, branco sobre branco, plano com plano, contornos com contornos. Essa combinação à Malevich dá pistas, talvez, de uma dimensão espiritual da geometria – e da própria arte.

 

Mas talvez exista um tópico ainda mais interessante, que nem se desvincula muito desses primeiros. Essas gravuras tratam, quem sabe, de experimentação, ou, ainda mais do que isso, elas comentam como a experimentação, o ensaio e a indagação sobre o que oferece uma linguagem podem conduzir essa linguagem a seus próprios limites, ou além deles. Se a gravura depende de uma matriz, o que acontece quando essa matriz independe de tinta? O que se passa quando a matriz transfere apenas seu volume e sua espessura para o papel? E se a matriz, coberta de tinta, não contiver um desenho para matizar, nenhum desenho além do próprio plano e de seu contorno? Ou ainda: e se a matriz, coberta de tinta mais uma vez, começar a reincidir sobre sua própria mancha?

 

Karen Axelrud testa nessas pequenas séries o que quer e o que pode a gravura em metal. Há limites nessa expansão? Até quando a gravura resiste como gravura? Talvez seja a consciência de si o que está em jogo.

Eduardo Veras

Professor do Instituto de Artes da UFRGS

Porto Alegre, 2016

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